Portugal recuperou o seu herói dos confrontos com a
Inglaterra e está nas meias-finais do Mundial. Depois de
no Euro’2004 ter defendido um penálti e marcado outro,
ontem, no mesmo tipo de desempate, Ricardo parou três
dos quatro pontapés dos ingleses. Notável. Os ingleses
devem odiá-lo.
Pode dizer-se que avançar mais um degrau na prova foi um acto de justiça, porque Portugal foi globalmente mais forte, mas se levarmos em conta que a Inglaterra ficou sem Rooney aos 61’ e que jogou uma hora com dez, tem de se dizer que os portugueses tinham obrigação de resolver a questão de bola corrida. É certo que os ingleses fizeram contra Portugal um jogo tão sofrido e abnegado como o da Selecção Nacional com a Holanda, e por isso mereceram o prolongamento, mas deveriam ter ficado por aí. Faltou arte para abrir buracos, além de que a opção de manter Cristiano Ronaldo durante 25 minutos a jogar como ponta-de-lança contra dois centrais enormes quando havia mais espaço no campo não foi uma boa ideia.
Portugueses e ingleses entraram em campo com esquemas
tácticos exactamente iguais: quatro defesas em linha,
meios-campos com três homens organizados em triângulo
expandido, dois alas móveis e um avançado. Eriksson quis
jogar à portuguesa e conseguiu-o durante uma
significativa parte do tempo. Conforme mandava a lógica,
Scolari também apresentou um miolo com um médio
defensivo e dois médios interiores, o que deu uns
casamentos engraçados. Maniche e Gerrard vigiavam-se
mutuamente, Tiago e Hargreaves estavam de olho um no
outro, Petit encostava em Lampard. As movimentações eram
idênticas, até a estratégia de circular a bola se tornou
parecida com o passar do tempo. É que por muito que os
adeptos ingleses assobiassem, a equipa controlava a bola
e circulava-a nas linhas recuadas, à espera do momento
certo para desferir o ataque. Portugal também jogava
assim, como gosta e sabe, havendo apenas uma novidade:
as diagonais a rasgar o campo, de Figo para Cristiano
Ronaldo, procurando ganhar no um contra um no último
terço do campo.
Apesar das cautelas de ambos os lados, a bola chegava
com frequência às áreas, onde as defesas foram
claramente mais fortes do que os ataques. Portugueses e
ingleses foram alternando tiros de meia-distância com a
procura de espaços, sendo lógico o empate ao intervalo,
apesar de ter ficado a ideia de que as diagonais de
Portugal tinham permitido à equipa estar mais perto do
êxito do que a Inglaterra. O equilíbrio, porém, só durou
mais um quarto-de-hora, porque num lance de disputa
acesa, Rooney pisou os genitais de Ricardo Carvalho com
o árbitro mesmo em cima do lance. O vermelho deixou os
ingleses numa situação complicada, com menos um homem e
meia hora para jogar. Eriksson, que tinha perdido
Beckham por lesão, respondeu com a troca de Joe Cole
pelo gigante Crouch, cujo trabalho chegou a disfarçar a
inferioridade numérica. Ao mesmo tempo, Scolari tirou
Pauleta e fez entrar Simão para a esquerda, derivando
Cristiano Ronaldo para ponta-de-lança. Uma alteração
difícil de entender. Numa altura em que passava a haver
mais espaço, mais lógico seria que Ronaldo tivesse
liberdade de movimentos para encostar no ponta-de-lança
do que ficar lá emparedado entre dois porteiros de
boite. Um equívoco desfeito aos 85’, quando Figo deu
lugar a Postiga e Ronaldo regressou à linha, e só na
segunda parte do prolongamento ocupou a tal posição de
segundo ponta-de-lança.
Cientes de que o jogo aéreo não seria a maior das preocupações, os ingleses ofereceram a Portugal espaço para entrar pelas laterais, preocupando-se a fechar a zona central. O tiro exterior foi tentado variadíssimas vezes, mas sempre sem êxito. E se essa era a justificação para a entrada de Hugo Viana também não resultou, para além de que a bola passou a emperrar sempre que chegava aos pés dele. Aos portugueses, para além de pontaria, faltou capacidade para criar desequilíbrios individuais, mas também é preciso atentar no pormenor de que houve alturas em que a Inglaterra chegou a ter os dez homens trás da linha da bola. E não é justo esquecer que os ingleses nunca deixaram de procurar o contra-ataque, assim como intervenções brilhantes de Ricardo Carvalho, a travar um remate de Lampard, e de Nuno Valente, num desarme precioso a Lennon, que estava isolado dentro da área.
Portugal voltou a ter motivos para festejar depois de
um jogo em Gelsenkirchen. Petit viu amarelo e não jogará
as meias-finais, mas nesse jogo estarão de volta
Costinha e Deco. E que falta fez Deco, ontem, num jogo
em que a chave passava pelos desequilíbrios individuais,
pela capacidade de jogar de um contra um. Assim, a
decisão passou pelas luvas de Ricardo, pelo tino de
Postiga no penálti (Robinson ficou à espera da
habilidade à Penenka e ele chutou para onde quis), e
também pelos remates certeiros de Simão e Cristiano
Ronaldo.
Estádio Arena auf Schalke, em Gelsenkirchen | relvado:
bom estado | espectadores: 52 mil | árbitro: Horacio
Elizondo, da Argentina | assistentes: Dario Garcia,
Rodolfo Otero, da Argentina | 4º árbitro: Coffi Codija
(Benim)
Inglaterra 0 - Portugal 0*
*1-3 na marcação de pontapés da marca de grande
penalidade
[0-1] Simão; [1-1] Hargreaves; [1-2] Hélder Postiga;
[1-3] Cristiano Ronaldo
Inglaterra
1 Robinson GR
2 Gary Neville LD
5 Rio Ferdinand DC
6 John Terry DC
3 Ashley Cole LE
16 Hargreaves MD
4 Gerrard MO
8 Lampard MO
7 David Beckham AD 52'
11 Joe Cole AE 65
9 Rooney AV
T: Sven-Goran Eriksson
13 James GR
22 Carson GR
15 Carragher LD 119'
12 Sol Campbell DC
14 Bridge LE
18 Carrick MD
17 Jenas MO
18 Lennon AD 52' 119'
20 Downing AE
21 Crouch AV 65'
23 Walcott AV
Amarelos 30' John Terry; 107' Hargreaves.
Vermelhos 62' Rooney
Portugal
1 Ricardo GR
13 Miguel LD
5 Fernando Meira DC
16 Ricardo Carvalho DC
14 Nuno Valente LE
8 Petit MD
18 Maniche MD
19 Tiago MO 74'
7 Figo AD 86'
17 Cristiano Ronaldo AE
9 Pauleta AV 63'
T: Luiz Felipe Scolari
12 Quim GR
22 Paulo Santos GR
2 Paulo Ferreira LD
4 Ricardo Costa DC
3 Caneira LE
10 Hugo Viana MO 74'
11 Simão AD 63'
15 Boa Morte AE
21 Nuno Gomes AV
23 Hélder Postiga AV 86'
Amarelos 44' Petit, 111' Ricardo Carvalho.